CONTEMPLAÇÕES INANCIANAS (Nº 5): Um livro com contemplações inacianas

Pe Manuel Eduardo Iglesias, sj

Sendo jesuíta rezo frequentemente conforme o modo de contemplação inaciana. Vez por outra, após a oração, escrevo como a mesma se desenvolveu e conservo um bom número para meu uso pessoal. Quando oriento retiros, em diversas modalidades e grupos variados, explico este modo de orar e as pessoas experimentam bons frutos com isto. Um dia me deu um estalo de entregar algum deles, com o intuito de que as pessoas melhor compreendessem como pode ser conduzida esta oração nos moldes inacianos. Ao perceber que este processo em muito ajudava, resolvi publicar alguns textos com contemplações do meu acervo pessoal, sendo alguns destes de uma amiga que me autorizou publica-los, com a condição de não constar seu nome.

O título do livro é: “Contemplações Inacianas. Para aproximar-se de Jesus”, Manuel Eduardo Iglesias, SJ. Edições Loyola, São Paulo 2016.  Segue a título de exemplo uma das contemplações que integram o livro.

                                      O CEGO DE BETSAIDA (Mc 8,22-26)

Hoje, com olhos de fé me dirijo a Betsaida. Convido você leitor(a) a vivermos juntos esta experiência na busca de Jesus na sua terra. Chegando à cidade sentimos um clima barulhento e inquieto. O motivo parece ser a iminente chegada do Mestre, proveniente de Dalmanuta. O dia está azul, a temperatura agradável e o meu coração deseja estar logo perto de Jesus, olhar seu rosto, falar com ele e ouvir a sua voz.

Quando a gente mergulha nas páginas do evangelho elas vão se enchendo de vida e de cores e a gente se sente presente nas cenas que contemplamos com fé. Betsaida é uma pequena cidade à beira do lago de Generasé.

Algumas pessoas que estão chegando dizem que Jesus deve chegar de um momento a outro. Contam que, após dar pão para uma multidão, compadecido de estarem três dias atrás dele sem terem o que comer, encontrou-se em Dalmanuta com um grupo de fariseus. Estes discutiram com ele e lhe pediram um sinal do céu. Jesus teria dito que o coração deles estava insensível e que, tendo olhos, não viam.

Enquanto Jesus não chega ficamos pensando porque Jesus teria dito isto? Por que seus olhos não viam? Estão chegando! Um numeroso grupo o acompanha. Conseguimos aproximar-nos de Jesus e o cumprimentamos. Como foi fácil chegar até ele! Fico atordoado com a emoção e não saberia como descrever a vitalidade que ele irradia. Alegra-se visivelmente de nos ver e nos convida a acompanhá-lo. O grupo vai aumentando e o povo se empurra ao redor de Jesus. Tomam conta dele.

A poucos metros dele, conversamos com André e Filipe, dois dos seus discípulos, e nos falam de como aconteceu a multiplicação dos pães e a disputa posterior com os fariseus. Pergunto a eles por que os fariseus desconfiavam tanto de Jesus. Filipe nos diz:

– Não é fácil saber exatamente. A maioria dos fariseus são homens piedosos. Eu acho que eles se amarram tanto na lei que lhes espanta a liberdade que tem Jesus em relação à mesma.

André nos dá a sua opinião:

– Talvez eles se sentem ameaçados nos alicerces da sua religiosidade. O Deus de Jesus é para eles realmente desconhecido. Por outro lado, veem o povo entusiasmado pelo calor humano de Jesus. Eles estão perdendo terreno.

Nesta altura o grupo que virou multidão para e abre passo para uns homens que carregam apressados um cego. Chegam até Jesus e lhe suplicam que, por favor, toque apenas o cego. Este dá a impressão de estar desorientado e ansioso.  Aproveitamos para observar Jesus atentamente. O que se passará dentro dele? O que ele pensará e estará sentindo diante daquele cego?

Chama-me a atenção a simplicidade do pedido daqueles companheiros do cego: apenas pedem que Jesus toque o cego! Que confiança é essa? Tocar é tão importante assim? O que significa “ser tocado por Jesus”? Eu já fui tocado por ele? Acho que sim, mesmo que não seja fácil explicar para os outros. Ele toca meu coração sempre que consigo prestar atenção ao significado dos seus gestos e palavras. Isso me abre e me traz paz, alegria e ânimo para ser melhor e ajudar mais aos outros.

Mas vamos continuar observando Jesus. Neste momento ele toma o cego pela mão e o conduz para fora da cidade. Ficamos parados, entendendo que Jesus não quer ser incomodado pelos curiosos e deseja ficar a sós com o cego, no qual concentra toda a sua atenção. O cego sente o contato com a mão de Jesus! O que seus amigos tinham pedido está acontecendo. Que bom é ser conduzido pela mão de Jesus, a mesma mão que multiplicou os pães dias atrás e curou os leprosos.

O que Jesus terá dito ao cego durante aquele trajeto? Talvez não lhe falou com palavras, mas certamente a mão de Jesus lhe transmitiu paz e confiança. O povoado ficou para trás e as vozes do povo foram se apagando. O cego ouve seus passos em sintonia com os passos de Jesus que o conduz. O sol esquenta. Um ou outro pássaro rasga o ar. Um galo canta lá longe. Paramos. Sinto-me tão compenetrado com a cena contemplada que passo a me identificar com o cego. Jesus cuspe, coloca sua saliva nos meus olhos e sinto o peso suave das suas mãos sobre meus olhos enquanto me pergunta:

– Vês alguma coisa?

Movimento meus olhos sem luz e respondo lentamente.

-Vejo ao longe os homens como árvores que andam.

Para quem nada via já é muita coisa enxergar alguma coisa. Só que as pessoas são bem mais do que árvores, certamente. Não raro nós vemos as pessoas como se fossem objetos, sem lhes dar muita atenção.  Mas não é tempo de pensar. Trata-se do momento mais importante da minha vida. Sinto as mãos de Jesus sobre os meus olhos. Quanta delicadeza e atenção! Eu não mereço tudo isso, pobre cego da roça. Impressionante… sinto calafrios… a névoa vai se dissipando e começo a ver com nitidez, de perto e até de longe.

Tudo começa a ter brilho! Um festival de cores acariciadas pelo sol radiante. E lá está “ele”, Jesus de Nazaré, sol diante dos meus olhos novos! Não dá para expressar a emoção que me invade. Meu coração galopa e as lágrimas limpam a imagem de Jesus diante dos meus olhos iluminados. O que dizer? Seu sorriso fala tudo! Seus olhos sorriem. Ele está feliz com a minha alegria.

Esse rosto cansado e sorridente me faz vislumbrar o que é se sentir amado por Deus. Um ser único, importante e cuidado por um Deus que é vida, é pastor e é nosso amigo. O empoeirado caminho fica gravado no meu coração. O povoado está perto e as pessoas já não são como árvores. Jesus me aconselha ir logo para casa.

-Não entres nem mesmo na aldeia.

Abraço Jesus com afeto e ternura e sigo o meu caminho. Sou um homem novo. Feliz, amado e agradecido. Jesus viverá sempre em mim. Nada nem ninguém poderão apagar seu sorriso no meu coração. Ele continua vivo em mim. Sou mais eu mesmo e sou diferente.

Meu desejo é poder partilhar com os outros a nova luz que me inunda. Ajudar Jesus a abrir os olhos de todos os cegos do mundo! Esse vai ser o sentido da minha vida.

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